segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lições de Osminda - 2

Joana
Olhei nos olhos da menina linda que trazia duas xícaras de café fumegante. Lá fora a chuva começava a cair, decidimos passar a noite por lá, pois começava a escurecer.
Joana, no auge de seus 18 anos, neta de Osminda também passaria a noite com a avó.
Já começava a me incomodar comigo mesmo, não conseguia desviar os olhos de Joana nem que quisesse, seus olhos verdes sempre se encontravam com os meus...
Na rede, ouvi a voz de Osminda que do outro quarto à luz opaca do candeeiro estava deitada com a neta:
"...lí uma vez o Mário Quintana, dizia "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver."... A morte é onde mora a saudade... Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto..."
Pensei nisso. Alí no meio da caatinga, uma professora aposentada, escolheu aquele canto da terra para morrer, mas envelhecia com tanta sapiência, tanta tranquilidade que parecia adiar esse momento.
Estranhamente toda a conversa do dia e parte da noite, girou em torno da morte...
Agora, ouvindo ela citar Mário Quintana e Cecília Meireles, percebi na sua voz que ela tinha medo de morrer, porque tinha medo de sentir dor ou porque a vida era muito boa, devia ter medo de ficar só,porque na hora da morte nem todos querem tocar sua mão, porque você não é mais dono dos momentos, de nada, você está prestes a ir...
"... não queria que o tempo voltasse, que minha pele fosse fina e macia como antes... estou feliz assim, aprendi a conviver com a velhice, e agora estamos todos pensando na morte e todos pensam que eu irei primeiro... não me importaria em ir, em abandonar esse corpo, não me importaria mesmo, mas ainda tenho que esperar que a galinha ponha uns ovos para meu bolo de aniversário, por isso não poderei morrer..."
Rimos em silêncio, e em silêncio a noite foi ficando densa...
Acordei pela madrugada, com o corpo quente e com cheiro de flor de laranjeira de Joana se aninhando ao meu sob os lençóis. A rede me parecia o melhor lugar do mundo e a morte uma idéia distante.

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