sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

'PREGUIÇA BAIANA'


'Preguiça baiana' é faceta do racismo. A famosa 'malemolência' ou preguiça baiana, na verdade, não passa de racismo, segundo concluiu uma tese de doutorado defendida na PUC. A pesquisa que resultou nessa tese durou quatro anos.

A tese, defendida no início de setembro pela professora de antropologia Elisete Zanlorenzi, da PUC-Campinas, sustenta que o baiano é muitas vezes mais eficiente que o trabalhador das outras regiões do Brasil e contesta a visão de que o morador da Bahia vive em clima de 'festa eterna'.

Pelo contrário, é justamente no período de festas que o baiano mais trabalha. Como 51% da mão-de-obra da população atua no mercado informal, as festas são uma oportunidade de trabalho. 'Quem se diverte é o turista', diz a antropóloga.

O objetivo da tese foi descobrir como a imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou. Elisete concluiu, após quatro anos de pesquisas históricas, que a imagem da preguiça derivou do discurso discriminatórios contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população da Bahia.

O estudo mostra que a elevada porcentagem de negros e mestiços não é uma coincidência. A atribuição da preguiça aos baianos tem um teor racista.

A imagem de povo preguiçoso se enraizou no próprio Estado, por meio da elite portuguesa, que considerava os escravos indolentes e preguiçosos, devido às suas expressões faciais de desgosto e a lentidão na execução do serviço (como trabalhar bem-humorado em regime de escravidão??? ?).

Depois, se espalhou de forma acentuada no Sul e Sudeste a partir das migrações da década de 40. Todos os que chegavam do Nordeste viraram baianos. Chamá-los de preguiçosos foi a forma de defesa encontrada para denegrir a imagem dos trabalhadores nordestinos (muito mais paraibanos do que propriamente baianos), taxando-os como desqualificados, estabelecendo fronteiras simbólicas entre dois mundos como forma de 'proteção' dos seus empregos.

Elisete afirma que os próprios artistas da Bahia, como Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Gilberto Gil, têm responsabilidade na popularização da imagem. 'Eles desenvolveram esse discurso para marcar um diferencial nas cidades industrializadas e urbanas. A preguiça, aí, aparece como uma especiaria que a Bahia oferece para o Brasil', diz Elisete. Até Caetano se contradiz quando vende uma imagem e diz: 'A fama não corresponde à realidade. Eu trabalho muito e vejo pessoas trabalhando na Bahia como em qualquer lugar do mundo'.

Segundo a tese, a preguiça foi apropriada por outro segmento: a indústria do turismo, que incorporou a imagem para vender uma idéia de lazer permanente 'Só que Salvador é uma das principais capitais industriais do país, com um ritmo tão urbano quanto o das demais cidades.'

O maior pólo petroquímico do país está na Bahia, assim como o maior pólo industrial do norte e nordeste, crescendo de forma tão acelerada que, em cerca de 10 anos será o maior pólo industrial na América latina.

Para tirar as conclusões acerca da origem do termo 'preguiça baiana', a antropóloga pesquisou em jornais de 1949 até 1985 e estudou o comportamento dos trabalhadores em empresas. O estudo comprovou que o calendário das festas não interfere no comparecimento ao trabalho. O feriado de carnaval na Bahia coincide com o do resto do país. Os recessos de final de ano também. A única diferença é no São João (dia 24 /06), que é feriado em todo o norte e nordeste (e não só na Bahia).

Em fevereiro (Carnaval) uma empresa, cuja sede encontra-se no Pólo Petroquímico da Bahia, teve mais faltas na filial de São Paulo que na matriz baiana (sendo que o n° de funcionários na matriz é 50% maior do que na filial citada).

Outro exemplo: a Xerox do Nordeste, que fica na Bahia, ganhou os dois prêmios de qualidade no trabalho dados pela Câmara Americana de Comércio (e foi a única do Brasil).

Pesquisas demonstram que é no Rio de Janeiro que existem mais dos chamados 'desocupados' (pessoas em faixa etária superior a 21 anos que transitam por shoppings, praias, ambientes de lazer e principalmente bares de bairros durante os dias da semana entre 9 e 18h), considerando levantamento feito em todos os estados brasileiros. A Bahia aparece em 13° lugar.

Acredita-se hoje (e ainda por mais uns 5 a 7 anos) que a Bahia é o melhor lugar para investimento industrial e turístico da América Latina, devido a fatores como incentivos fiscais, recursos naturais e campo para o mercado ainda não saturado. O investimento industrial e turístico tem atraído muitos recursos para o estado e inflando a economia, sobretudo de Salvador, o que tem feito inflar também o mercado financeiro (bancos,financeiras e empresas prestadoras de serviços como escritórios de advocacia, empresas de auditoria, administradoras e lojas do terceiro setor

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Crasso amor!

CAPÍTULO 01

O ENCONTRO

Tínhamos um trato. Era um trato simples, dado às circunstâncias do momento, era um trato até razoável do ponto de vista de uma convivência pacífica.
Embora eu fosse 20 anos mais velho que ela, sei que tínhamos os mesmos desejos e expectativas em relação a tudo aquilo que estávamos vivendo.
Não tinha mesmo a pretensão de ser o grande amor da vida dela, apenas estava curtindo o momento de tal forma que entrei de cabeça em tudo o que ela havia me proposto, e agora eu estou aqui, numa cela fria, juntamente com mais 35 homens de vários lugares do país. Pelo menos hoje colocaram um desinfetante forte no vaso e o mau cheiro misturado com o forte cheiro de eucalipto causa ânsia de vômito, mas pelo menos é um cheiro novo...
Bem, era um acordo simples, como eu ia dizendo apenas sermos sinceros um com o outro. Desde sua adolescência ela sempre namorara com meninas, era lésbica desde que conheceu seu corpo e nunca, sequer havia beijado um homem, um primo que fosse, nada.
Seu pai morrera antes dela completar dois anos, tinha uma vaga lembrança de sua figura forte, na maioria das vezes que falava dele eu tinha certeza de que era apenas uma fantasia, baseada no desejo de te-lo ali perto. Isso também me ajudou a ficar com o pé atrás, sabia que às vezes me colocava na figura de pai, ora de amante, ora de um bom amigo, uma presença masculina, isso era tão estranhamente embaralhado em sua mente, mas na minha estava tudo muito claro, eu sabia separar bem as coisas, sabia exatamente o que dizer, a hora certa e o tom correto, como também sabia da hora de ficar em silêncio, enquanto ela sorvia grandes goles de whisk nacional barato  eu admirava sua beleza e juventude por trás da fumaça de um cigarro cubano.
Conhecemos-nos meio que sem pretensão, eu era um quarentão que se vestia como um menino de 18 anos e saia para as festas GLS com uma amiga lésbica que passava a noite girando próximo as caixas de som enquanto cheirava benzina e jurava que seu dedo se transformava em uma cabra. Fui comprar uma cerveja (odeio o gosto amargo de cerveja), apenas para ter o que segurar (tipo um objeto cênico), para dar o ar de despreocupado. Lá estava ela, de cabeça baixa analisando uma enorme poça de vômito. Seus cabelos castanhos brilhavam ao refletir o néon, suas mãos tremiam e sua blusa aberta mostrava um dos seios róseo. Fiquei parado reparando a cena e esperando que alguém chegasse para ajudar, ou simplesmente para falar com ela. Cerca de cinco minutos e ninguém se aproximou, seus olhos me olharam como quem perguntam: “o que foi???” me aproximei e perguntei se precisava de alguma coisa, ela não respondeu. Ajeitou a blusa e pegou um cigarro. Tinha um jeito lindo de fumar, uma elegância, uma desenvoltura hollyiwdiana. Ofereci para acender seu cigarro, tomei o isqueiro de sua mão e percebi que sua beleza clássica, madura, nariz adunco, pele branca com algumas  espinha salientes denunciavam sua pouca idade, limpou os lábios e disse: “... e aí, tá de carro?”,  resolvi mentir: “não! Estou de táxi...” “...porra”.  fiquei observando-a fumar. Ajudei a levantar-se e a levei ao banheiro feminino, onde na porta várias meninas se beijavam ignorando quem entrava ou saía, lá dentro ajudei-a a usar o vaso, vomitou mais uma vez, um cheiro azedo de bebida barata tomou conta do universo inteiro.
Após lavar o rosto parecia outra pessoa, qualquer aparência de bêbada estava longe, perguntou numa afirmação: “você é o David, num é?” confirmei e queria sair dali, mas infelizmente a festa ainda estava começando.
 (Clique aqui e leia a parte 2)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O monastério é o mundo


Decantado por
   PAULO BRABO

Estocado em Goiabas Roubadas

Como se sabe, Weber argumentou que a Reforma Protestante abriu caminho para o capitalismo através de uma completa alteração das crenças e hábitos diários da vida. Weber mostrou-se particularmente interessado em Calvino e no calvinismo, pois encontrou neles o processo pelo qual as disciplinas monásticas – o dia ordenado de trabalho, a vida frugal, o ascetismo, a autonegação, o chamado para a vida religiosa, o individualismo, a predestinação, a dependência da graça por parte de seres humanos inteiramente incapazes de qualquer bem eles mesmos porém constantemente impelidos às boas obras em resposta à graça – deixaram os monastérios e alcançaram a população em geral.
Esses ritmos da vida diária mostraram-se cruciais na transição entre os padrões medievais e aqueles mais adequados ao capitalismo. Embora Lutero tenha tomado o primeiro passo na desconstrução do monasticismo medieval, a contribuição de Calvino foi fazer deste mundo um lugar de teste e de preparação para a vida em outro mundo que ainda não pode ser conhecido. A vida diária tornou-se cenário de uma racionalização sem precedentes, na qual cada momento estava sujeito a ordenação, escrutínio e prestação de contas.
O paradoxo aqui está em que Calvino não tornou a vida humana menos religiosa: ao contrário, a vida humana como um todo tornou-se um monastério. Porém foi precisamente essa ampla religionização que gerou tanto as possibilidades do capitalismo quanto o fim do protestantismo calvinista como tal. Porque, ao sacralizar a vida como um todo, Calvino também a racionalizou; ao colocar em andamento essa estirpe secular de ascetismo, deixou de haver qualquer necessidade para a perpetuação de algum conceito religioso. Um ascetismo puramente secular tornou-se o resultado lógico da teologia de Calvino, que pode então ser descartada, uma vez que já cumpriu sua missão. O calvinismo protestante funciona portanto como um agente catalisador que desaparece uma vez que tenha cumprido a sua tarefa.

Pescado no Bacia das Almas

domingo, 19 de dezembro de 2010

Eu Gosto de Homens e de Mulheres

É assim que a cantora (que eu não morro de amores, adianto), me fez pensar em uma coisa simples e que gira em torno de um tema que nossa cabeça adora deturpar: As relações humanas.
Claro está na canção de Ana Carolina, que a intenção é analisar essa questão do Gostar, dentro de um ponto de vista mesmo de conceito do humano.
Quando eu digo: Eu gosto de todos os homens... ou Eu gosto de todas as mulheres, todas as crianças, não pensam que eu quero levar todos os homens, mulheres e crianças para a cama.
Então, os homens que lutam por uma vida digna, que estão nesse mundo por uma desígnio divino, desses homens eu gosto... As  mulheres que estão também aqui por vários outros motivos que não podemos decifrar, eu gosto...
Por isso, digo juntamente com Ana: "Gosto de Homens e de mulheres", mas na minha cama, só elas, porque gostar também tem seus limites


HOMENS E MULHERES
(Ana Carolina)
Eu gosto de homens e de mulheres
E você o que prefere?
E você o que prefere?
Eu gosto de homens e de mulheres
E você o que prefere?
E você o que prefere?

Homens que dançam tango
Mulheres que acordam cedo
Homens que guardam as datas
Mulheres que não sentem medo

Homens de toda idade
Mulheres até as genéricas
Homens que são de verdade
Mulheres de toda a América

Homens no sinal verde
Mulheres de batom vermelho
Homens que caem na rede
Mulheres que são meu espelho

Eu gosto de homens e de mulheres
E você o que prefere?
E você o que prefere?
Eu gosto de homens e de mulheres
E você o que prefere?
E você o que prefere?

Mulheres na guitarra
Homens de corpo e mente sã
Homens vestindo sobretudo
Mulheres melhor sem sutiã
Mulheres melhor sem sutiã

Homens que enrolam serpente
Mulheres que vão na frente
Homens de amar tão de repente
Mulheres de amar pra sempre
Mulheres de amar pra sempre

Eu gosto de homens e de mulheres
E você o que prefere?
E você o que prefere?

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Recado da Menina!

Eu sei da ferida que deixei quando parti, sei do tamanho do vazio que é bem maior que tua casa toda, das milhares de frases que deixei para que o silêncio resolvesse com o tempo sua importância.
Sim eu sei da covardia que cometi quando de malas prontas não olhei para trás nem te mostrei qual o caminho para me seguir...
Não há em mim respostas!
Sou apenas uma mulher não pronta para ser mulher, nem ser amada, querida, desejada.
É que carne de mulher é feita de promessa e se alimenta de invasão, tem fogo que arde sem motivo e se sufoca com tudo que não entende.
Não, amigo, não sei mesmo o que seria esse amor que todos dizem existir...
Sei que trouxe comigo muito de suas paixões, esperanças, ilusões e a beleza de acreditar que dependia de mim para ser feliz.
Agora sabes, que não há em mim aquela rosa, aquele porto, aquela rede, aquele colo que eu te dizia possuir...
Sabes agora que meu riso era raso e que meu carinho era ilusão e que no meu peito (embora sempre dizias que ouvia ele gritar teu nome) é silêncio e sempre será...
Sabes que sou tão cruel a ponto de divertir-me com o pranto alheio...
Sabes agora, que meu amor nunca houve...
Mas deves me agradecer, nobre amigo, pois agora sabes que amor não existe, que palavras doces são ilusão e que felicidade tem recheio de mentira...
Agora sabes, nobre amigo, agora sabes aí em tua rede e sob tuas lágrimas que o corpo de mulher é bombom envenenado, por fora doce e macio, mas em seu recheio o mais letal dos venenos...
Não deves amigo, derramar lágrimas por mim, a não ser que queiras ver-me sorrir...

Rédeas.

Resolvi tomar as rédeas do cavalo. É que ultimamente tenho deixado que o cavalo decida minha atitudes, meus sentimentos e me conduza como bem entender.
Então a primeira coisa que ele fez foi arrebentar parte da cerca que me protegia de certas coisas, que fazia meu jardim protegido de certas pessoas que não sabem se comportar dentro de um lugar tão delicado e com vários tipos de cores, gente que pisa em tudo, que toca como e onde não deveria, que leva às narinas o cheiro que é exclusivamente feito para mim e traz mais pessoas estranhas e indesejáveis, para dentro de meu espaço, numa invasão arrogante e dolorosa.
Como resultado fui perdendo o encanto pelo meu jardim, fui esquecendo de coisas que aprendi enquanto cultivava cada planta ali guardada e que agora posso ver como estão castigadas, sem brilho, sem vida, sem perspectivas.
Então me levanto dessa confortável e espinhosa cadeira de inércia, seguro as rédeas, levo calmamente meu cavalo ao estábulo para que descanse e pense em sua incoerência, conserto a cerca em sua parte arrebentada e resolvo lhe dar novas cores, reforço o portão, troco a fechadura e coloco as chaves no bolso, que agora quem manda sou eu.
Estou na fase de cuidar das flores que me restaram, algumas não se recuperam mais, porém todas possuem sementes, (ainda meio doloroso isso, pois olhar o estrago que gente insensível faz num lugar como esses é de causar comoção total). Mas essa é a fase atual: recuperar flores antigas, preparar sementes para as novas e refazer esse jardim de forma que possa estar pronto para quando eu abrir de novo o portão, receba com festas meus amigos, meus filhos e uma mulher de verdade,  que amarei e levarei para passear em meu cavalo, e, que dessa vez, serei eu a segurar-lhe as rédeas.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Carnal

Sou divino e sou carnal, carnívoro, carniceiro.
Fiquei envergonhado porque estava amando. Bem que o objeto de meu amor desmancharia tal comprimido efervescente na água, diante da primeira decepção ao meu lado (coisa que seria breve, caso não tivesse partido).
Depois comecei a perceber que mais ridículo do que amar era essa vergonha infantil de ter vergonha de um sentimento belo, bonito e desprovido de qualquer interesse e capaz de transformar certos momentos de pura carnalidade na mais profunda expressão do amor.
Porém o que acima teimo em apelidar de amor na verdade deveria se chamar de outra coisa, pois amor mesmo, amor de verdade não existe. Nem queiram pasmar ou questionar, pois amor de verdade não existe. Essa angustia não pode ser amor, essa perda, essa definição generalizada de  algo que deveria ser específico (tipo: um pássaro azul é azul, por mais que a idéia de um pássaro azul seja diferente para todas as pessoas que pensem num pássaro azul, mas sua existência, por mais que possa parecer exótica é verossímil), e, como se sabe, se pergunto à menina que ama uma menina pela internet o que vem a ser o amor, com certeza ela e Neruda não concordariam, apesar de dizerem ambos que o amor existe...
Sou carnal, por isso não posso ser um objeto que tenha em si qualquer espécie de amor perfeito, pois essas duas palavras juntas são tão inconseqüentes que sequer deveriam existir.
Amo meu pai, mas não amo o seu, amo meus filhos mas não amo os seus... Isso é amor dentro de uma botija puramente carnal.
Por isso, enquanto carnívoro, vou amando as carnes, chamando minha fome de amor, que outra palavra ofenderia a quem ama, mesmo sem saber que isso sequer existe...
Sentimentos são muitos e se misturam, se confundem e nos deixam sem rumo, lerdos, perdidos.
Mas amor mesmo, onde Deus, que é amor, o teria escondido?

PS.: Apesar de parecer insensato, uso aqui a palavra amor por algumas questões: primeira, não haveria outra; segunda: o desgaste dessa palavra me permite usá-la na cama, na feira, no cinema, na internet etc; terceira: como não sou escritor nem poeta não tenho lá um vocabulário rico, que me ajude a substituí-la de forma satisfatória.

Olhares.



Mãos coladas como se rezassem
o casal passeia à beira do rio
O homem olha para Juazeiro e sente saudades
Ela, para dentro de si e sente arrependimento...

Ao longe a chuva fina começa timidamente
seus rostos sentem as primeiras gotas
poema dos céus amenizando o calor
os olhos se fecham e já não há mais amor no colo dela

Ele não sente que o amor acabou
a mulher não sabe como dizer
nesse instante Juazeiro adormece
Petrolina é cúmplice da alma desalmada da mulher

Aos poucos a vida recomeça do lado de cá
e o homem de olhos alegres flutua ao lado dela
que de passos pesados rasteja sem destino
sem culpa, sem razão, sem amor, sem palavras...

Crueldade dizer de seu desamor
crueldade não dizer
e na dúvida perece sua razão
e se resolve, vai partir, valorizar-se

e se vai, como se decidisse
na última hora, (para surpresa dele)
que os olhos dos homens não vêem desamor
a não ser o seu... a não ser o seu...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O Homem e a menina!

Frente ao espelho começou a perceber o quanto estava ficando velho, isso não o incomodou, estava resignando tudo nesses ultimos dias. Tinha desistido de lutar, qualquer que fosse a batalha não mais lhe importava. Até mesmo se visse corpos pelo chão, espalhados pelo asfalto, achava que não se importaria mais.
Olhou fotos antigas em um álbum que há tempos não pegava, não sentiu saudades dos momentos que estavam ali registrados.
Não demonstrou nenhuma preocupação a ver contas e alguns resultados de seu último exame de próstata que lhe acusavam um câncer já adiantado.
Essa resignação nunca lhe havia acontecido antes em todos os seus 40 anos de vida.
Conferiu se a porta da frente estava aberta e se todas as outras estavam fechadas.
Apagou todas as luzes com exceção a da frente, próxima ao portão pequeno, que apenas encostado, esperava em vão a volta da menina.
Todo seu mundo estava alí, na esperança da volta dela, que junto com seus olhos castanhos havia levado também toda sua vida, toda sua alma, e pelo jeito pedaços dos rins, pulmões e outras partes menos expressivas.
Tomou um remédio amargo que não sabia para que servia e deitou-se sem desarrumar a cama, caso ela voltasse.
Olhos fitos no teto escuro, sentia-se culpado por não pensar em outra coisa.
A menina tinha-se ido, levado todas as coisas, as roupas, os olhos, os seios, e o mais importante: sua vida, que a ela tinha dado sem pedir nada em troca.
Quando a conheceu se martirizava por ser tão velho, mas agora estava resignado com isso também. Sempre que pensava nela e na sua ausência achava muito bom ter mais de 40 anos, estaria cada vez mais perto de morrer, se ver livre dessa dor de ter sido abandonado sem razão aparente.
A espera se confundia, queria que por aquele portão entrasse ou ela ou a morte salvadora, que a solidão, de tão cruel que é, não mata, vai torturando esperando que se confesse algo que nunca é o bastante.
O velho fechou os olhos e esperou.
O portão não rangeu durante a noite, por mais que ele tivesse imaginado ouvir seu gemido...
A morte não apareceu com sua mão fria a acariciar-lhe a calvicie.
Mas a solidão, com seus grandes dentes e lábios frios esperava ansiosamente que ele acordasse.
Ao acordar praguejou o sol, chamou de incompetente sua próstata e resolveu facilitar o trabalho da morte.
Juntou vários remédios, cerca de trinta comprimidos dos mais variados modelos e tamanhos.
Foi tomando um a um...
Sentou-se frente ao espelho e viu que estava ficando mesmo mais velho.
Foi sentindo-se sonolento e levemente tonto, um leve formigamento no braço esquerdo e o mundo a escurecer.
Olhava-se no espelho, queria ver-se morrer...
Nesse instante ouviu o portão abrir-se, reconheceu os passos da menina. Seu peito encheu-se de emoção e de arrependimento, tentou levantar-se mas a dose letal de comprimidos não lhe permitiu.
Percebeu a maçaneta girar, com a delicadeza da mão da menina.
Um cheiro de gardênia invadiu a sala, uma presença clara tomou conta de seu mundo. Seu último esforço em girar a cabeça lhe mostrou que a morte tem passos de menina, cheiro de gardênia e abre portas com delicadeza de mãos femininas.