sábado, 29 de maio de 2010

Prazo de validade...

Existem coisas que não tolero mais, a mentira é uma delas, não me refiro a mentiras grandes, dessas que falam sobre Deus ou Darwin; mas de mentiras pequenas, dessa que falam em ir sem a mínima pretensão de sair do lugar, falo de dores inexistentes ou simplesmente de fantasias invencíveis.
Não tolero mais o mau uso do verbo amar.
Não tolero os que não me aceitam com meus amores, meus amigos, meus sonhos ou minhas intolerâncias, meus Miltons, meu jazz, blues, meu time...
Acho mesmo que isso é reflexo da idade, a gente vai envelhecendo e percebe que todo o esforço para entender e aceitar as pessoas não tem valido a pena, isso lhes deu o direito de domarem meus sentimentos e aprisionarem tudo que eu sou como homem.
Reconheço que estar envelhecendo é bom, (mesmo que no momento eu esteja um pouco preocupado de como isso me afetará daqui a 30 anos) que as dores piores já passaram (ou simplesmente eu saiba lidar com elas de agora em diante), que meus ouvidos estejam mais sensíveis para a boa música e indiferente para as dores alheias...
Me incomodo ainda com a teimosia, muito mais do que com a burrice...
Me incomodo com o Deus que se incomoda mais com os homossexuais do que com os corruptos...
Me incomodo mais com o impacto do que com a queda em si...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

VOAR NÃO É PARA TOLOS


Há muito tempo a humanidade era dividida em três grupos, os que voavam, os que tinham asas e não sabiam voar e os que não as tinham.
Cansados de serem explorados os que tinham asas resolveram marcar uma grande assembléia entre si e os que não tinham asas.
Depois de muito discutirem resolveram que a melhor solução seria que se juntassem com os que não tinham asas para lutarem pelos seus direitos.
Os que não tinha asas acharam boa a idéia de se juntarem com os que tinham asas e não voavam, pois era o mais perto possível que poderiam chegar dos que voavam.
Então os dois grupos se juntaram e pensaram que eram um grupo só, resolveram fazer uma revolução e iriam atrás de seus direitos, mesmo que os sem asas não soubessem bem o que isso significava.
Num desses belos pôr do sol um dos lideres do grupo (um desses que tinham asas) descansava suas penas sobre o penhasco, quando recebeu com grande surpresa um dos lideres dos que voavam.
- Salve nobre amigo, vejo que aprecia um belo pôr do sol.
- Sem dúvida que aprecio, entretanto para chegar a esse penhasco demorei mais de três dias e três noites...
- Ah... para mim é muito fácil estar aqui...
- É, imagino – disse o que tinha asas mas não voava, sentindo-se humilhado.
- Posso ensina-lo a voar, poderás então ver que maravilha é ver todo o nosso vale do alto...
- Como?
- Ah... meu amigo, é muito simples, em apenas uma lição te ensinarei, podes me encontrar aqui na quinta-feira da próxima semana?
- Claro que sim.
Despediram-se e cada um seguiu seu rumo.
Na reunião de sábado entre os que tinham asas e os que não tinham, o então líder ficou mudo quase todo o tempo. Falou depois com alguns amigos que aquilo tudo não daria em nada, pois se desde o principio dos tempos que a vida era assim não tinham porque mudar, era a lei da natureza, uma regra que teriam que obedecer sempre.
Um a um foi conversando, ora com um dos lideres dos que tinham asas, ora com um dos que não tinham asas...
Aos poucos foi convencendo a todos que aquilo tudo era uma grande perda de tempo, que nada mudaria.
Como resultado na reunião convocada para a segunda-feira seguinte poucos compareceram e na de terça-feira mais nenhuma pessoa se fez presente...
Na quinta-feira lá estava ele no local que havia marcado, banho tomado, penas lustradas e até o bico tinha recebido uma dose especial de creme para bico.
Não demorou muito e um dos que voavam apareceu, era outro representante do grupo, um cara mau encarado, de penas escuras e mal cuidadas, monossilábico e grunhia entre cada palavra.
- Queres aprender a voar?
- Sim, és meu professor?
- Sou...
- Salta desse precipício que te acompanharei dando todas as dicas necessárias.
Confiantemente o que tinha asa e não sabia voar saltou para a morte eminente.
Enquanto isso o representante dos que voavam rumou em direção ao horizonte...
(David, Euclides da Cunha, quarta-feira, 26 de maio de 2010).

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Saudade

Partiste assim,
num trem invisível
e levaste o gosto de teu corpo
encravado entre tuas pernas...
Levou-me tudo
as esperanças, os sonhos
e deu-me asas...

Sob a cama deixaste o amor
que ainda me absorve

e eu,
alado e sem forças
permaneço inquieto
lutando contra o que não existe

e esse gosto de areia de cemitério
em minha boca

e esses fantasmas loucos
me fazem esquecer que o que já foi já era
e não há mais nada
senão essa dor manca de ser eu
o menos conhecido de todos os solitários
nesse quarto de ilusão....

(David, maio de 2010)

O teu riso













Pablo Neruda



Tira-me o pão, se quiseres,

tira-me o ar, mas não

me tires o teu riso.


Não me tires a rosa,

a lança que desfolhas,

a água que de súbito

brota da tua alegria,

a repentina onda

de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.